Direitos são obrigações exigíveis frente ao Estado, que tem o dever de promove-los e protege-los. A Constituição Federal de 1988, inspirada nos parâmetros da social-democracia, pretende implantar um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça. Esta postura está em consonância com uma constituição que considera como fundamento do Estado e da própria sociedade a dignidade humana (art 1º, III, CF).
Com todo cuidado de nosso legislador constitucional em assegurar a criação de uma sociedade igual, digna e humana não é de espantar a importância atribuída em nossa Carta Magna ao direito à informação, considerado direito fundamental pelo art. 5º, incisos XIV, XXXIII e XXXIV, “b”. De fato, o direito à informação é condição sine qua non de todos os direitos sociais e políticos existentes, sendo um direito fundamental individual e coletivo que visa a instrumentalizar o exercício da cidadania.
Além disso, o direito à informação é um princípio básico do controle social, por meio do qual o povo exerce algum controle sobre a ação da Administração, elaborando, acompanhando ou monitorando as ações da gestão pública.
No conteúdo desse direito está inserido um leque de princípios legais que visam a assegurar que qualquer pessoa ou organização tenha acesso a dados sobre si mesma que tenham sido coletados e estejam armazenados em arquivos e bancos de dados governamentais e privados, além de informações públicas que disponham sobre o governo, a administração pública e o país, ressalvados o direito à privacidade, o sigilo comercial e os segredos governamentais previstos em lei.
A inclusão do direito à informação na Constituição Federal de 1988 entre os direitos fundamentais enumerados no art. 5° significa que o Estado brasileiro se compromete a não apenas disponibilizar, mas promover por todos os meios o acesso à informação no Brasil, tanto no aspecto individual quanto no coletivo.
A importância do direito à informação na vida de qualquer indivíduo pode ser percebida ao constatar que se trata de um direito reconhecido e consagrado por diversos instrumentos internacionais de direitos humanos como, por exemplo, o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o artigo 13 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, o artigo 9° da Carta Africana sobre os Direitos Humanos e dos Povos e o artigo 10° da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos.
O direito à informação em saúde é essencial para a efetivação da saúde como um direito de cidadania. No Brasil, quando se afirmou a saúde como um direito de cidadania, explicitou-se o direito à informação, educação e comunicação como inerentes ao direito à saúde. Essa visão foi ratificada com Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que institui Sistema Único de Saúde (SUS), que, ao reconhecer a saúde como direito fundamental do ser humano, reconhece também o direito à informação como princípio de organização do SUS. Neste sentido está o art. 7º, V e VI:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
(...)
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;
A preocupação da Lei 8.080 com o acesso à informação não para por aí. O art. 15, inciso IV, estabelece que cabe à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios organizar e coordenar o sistema de informação em saúde. E o art. 16, inciso XIV, por sua vez, define que compete aos Estados “acompanhar, avaliar e divulgar os seus indicadores de morbidade e mortalidade”.
Dessa maneira, podemos afirmar que desde a criação do SUS considerou-se a informação como dever do estado e direito do cidadão, entendendo-se a informação tanto individuais (do paciente sobre suas condições de saúde nos prontuários clínicos, incluindo diagnóstico, terapêutica, exames e prognóstico) como coletivas contidas nos sistemas de informação produzimos a partir de dados das fontes governamentais, como os dados sobre nascimentos, mortalidade e internações pelo SUS.
O direito à informação tem dois aspectos: o individual e o coletivo.
Sob o aspecto individual, a ênfase no direito à informação é essencial para os direitos de cidadania porque está diretamente ligado à autonomia decisória do indivíduo. Em saúde este ponto é ainda mais essencial, uma vez que neste caso estamos lidando diretamente com decisões que podem afetar a vida do indivíduo e das quais ele deve fazer parte.
A preservação da autonomia do idoso é um dos objetivos principais da Política Nacional do Idoso (art. 1º da Lei 8.842/94) e a apontada também como finalidade primordial da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Garantir a autonomia do idoso não significa apenas assegurar meios para a execução de tarefas cotidianas. As suas convicções pessoais merecem ser respeitadas e, desta forma, a sua participação ativa no processo de tomada de decisões sobre sua saúde (BARBOSA; OLIVEIRA: 2012).
Assim, todo e qualquer procedimento, seja considerado simples ou complexo por parte dos profissionais da saúde, necessita ser realizado com o consentimento livre e esclarecido do paciente, a partir de informações e esclarecimento do tipo de medicamento, indicação e modo como será administrado. Em consonância com os arts. 1º e 3º do Código Civil, este direito é garantido pelo Estatuto do Idoso (art. 17, CAPUT, da Lei 10.741/03):
Art. 17. Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável
Parágrafo único. Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será feita:
I – pelo curador, quando o idoso for interditado;
II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser contactado em tempo hábil;
III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar;
IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público.
Da mesma forma, a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos garante que:
Artigo 6º
1. Qualquer intervenção médica de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa, com base em informação adequada. Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo.
A ênfase no direito à informação quando ligado à liberdade de escolha do paciente está também presente na Carta dos direitos dos usuários da saúde - Portaria GM/MS 675 de 30 de março de 2006:
Segundo Princípio
É direito dos cidadãos ter atendimento resolutivo com qualidade, em função da natureza do agravo, com garantia de continuidade da atenção, sempre que necessário, tendo garantidos:
(...)
II. Informações sobre o seu estado de saúde, extensivas aos seus familiares e/ou acompanhantes, de maneira clara, objetiva, respeitosa, compreensível e adaptada à condição cultural, respeitados os limites éticos por parte da equipe de saúde sobre, entre outras:
(...)
e) riscos, benefícios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas propostas;
Terceiro Princípio
É direito dos cidadãos atendimento acolhedor na rede de serviços de saúde de forma humanizada, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em função de idade, raça, cor, etnia, orientação sexual, identidade de gênero, características genéticas, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, ser portador de patologia ou pessoa vivendo com deficiência, garantindo-lhes:
(...)
VI. A informação a respeito de diferentes possibilidades terapêuticas de acordo com sua condição clínica, considerando as evidências científicas e a relação custo-benefício das alternativas de tratamento, com direito à recusa, atestado na presença de testemunha.
Importante aqui notar a ênfase na existência de informação adequada disponível que permita ao paciente tomar sua decisão. Ou seja, cumprir os imperativos de autonomia do paciente e de liberdade de escolha do tratamento passa por garantir informações suficientes para que o idoso possa exercer seu direito à liberdade de escolha.
Para o acompanhamento deste aspecto do direito individual à informação, o gestor municipal poderia acompanhar a distribuição da Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa (CASAPI). A CASAPI atua como instrumento de empoderamento do idoso porque é, antes de tudo, um instrumento de informação adequada ao idoso sobre sua própria saúde. Somente com informação adequada o idoso pode tomar livremente suas decisões. No entanto, esse indicador ainda não é acompanhado de forma sistemática e por isso não é mensurável.
Sob o aspecto coletivo, o acesso à informação pública é resguardado pela legislação brasileira. A Lei de Acesso à Informação Pública (Lei 12.527/11) efetiva o direito ao acesso à informação garantido pela Constituição brasileira. De acordo com essa legislação, a informação sob a guarda do Estado é sempre pública, devendo o acesso a ela ser restringido apenas em casos específicos. Isto significa que a informação produzida, guardada, organizada e gerenciada pelo Estado em nome da sociedade é um bem público. O acesso a estes dados – que compõem documentos, arquivos, estatísticas – constitui-se em um dos fundamentos para a consolidação da democracia, ao fortalecer a capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta.
De acordo com essa lei, é direito de todo cidadão ter acesso a ter acesso a informação primária, íntegra, autêntica e atualizada sobre a implementação, acompanhamento e resultado dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos. Ou seja, é direito do cidadão conhecer as políticas públicas e seu monitoramento.
Art. 7°. O acesso à informação de que trata esta Lei compreende, entre outros, os direitos de obter:
I - orientação sobre os procedimentos para a consecução de acesso, bem como sobre o local onde poderá ser encontrada ou obtida a informação almejada;
II - informação contida em registros ou documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos ou não a arquivos públicos;
III - informação produzida ou custodiada por pessoa física ou entidade privada decorrente de qualquer vínculo com seus órgãos ou entidades, mesmo que esse vínculo já tenha cessado;
IV - informação primária, íntegra, autêntica e atualizada;
V - informação sobre atividades exercidas pelos órgãos e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e serviços;
VI - informação pertinente à administração do patrimônio público, utilização de recursos públicos, licitação, contratos administrativos; e
VII - informação relativa:
a) à implementação, acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos;
b) ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de controle interno e externo, incluindo prestações de contas relativas a exercícios anteriores.
Considerando a importância do direito coletivo à informação e sua garantia de acesso por meio de lei, o Estado deve tomar medidas concretas para promover o acesso à informação em saúde, criando objetivos específicos estabelecidos em políticas públicas.
Políticas públicas são conjuntos de ações desencadeadas pelo Estado com o objetivo de garantir direitos para toda a população ou para parte dela. De modo geral, podemos entender políticas públicas como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer” para efetivar direitos garantidos em lei. Ou seja, são um conjunto de sucessivas iniciativas, decisões e ações do Poder Executivo frente a situações sociais problemáticas e que buscam resolvê-las ou torná-las manejáveis. No caso de políticas assumidas em compromissos escritos, podemos determinar maneiras para monitorar o desenvolvimento da política.
No caso do direito individual à informação em saúde, podemos apontar como objetivos específicos estabelecidos em política pública aqueles da Diretriz 3.6 da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa.
3.6. Divulgação e Informação sobre a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa para Profissionais de Saúde, Gestores e Usuários do SUS
As medidas a serem adotadas buscarão:
(...)
c) promover ações de informação e divulgação da atenção à saúde da pessoa idosa, respeitando as especificidades regionais e culturais do País e direcionadas aos trabalhadores, aos gestores, aos conselheiros de saúde, bem como aos docentes e discentes da área de saúde e à comunidade em geral;
d) apoiar e fortalecer ações inovadoras de informação e divulgação sobre a atenção à saúde da pessoa idosa em diferentes linguagens culturais;
e) identificar, articular e apoiar experiências de educação popular, informação e comunicação em atenção à saúde da pessoa idosa; e
Já a Política Nacional do Idoso (Lei 8.842/94) estabelece que “o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e informação para todos.” (art. 3°) Por este motivo é diretriz desta política o estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento (art. 4°, VII). Mas a exigência não para na divulgação de informações para a população em geral, a necessidade de ampliação das informações sobre saúde do idoso se aplica principalmente aos próprios profissionais de saúde. Desta forma, também é diretriz da Política Nacional do Idoso a capacitação e reciclagem de recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços (art. 4°, V).
O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) vai ainda mais longe. Ele coloca a capacitação de recursos humanos como condição da efetivação dos direitos à saúde e à vida, aos quais o idoso tem, de acordo com esta lei, prioridade (art. 3°, PU, VI). A necessidade de treinamento dos profissionais de saúde é reiterada ainda mais uma vez quando é posto que “As instituições de saúde devem atender aos critérios mínimos para o atendimento às necessidades do idoso, promovendo o treinamento e a capacitação dos profissionais, assim como orientação a cuidadores familiares e grupos de auto-ajuda.” (art. 18)
O Brasil assumiu também compromissos internacionais sobre a capacitação de recursos humanos. O Plano de Ação internacional para o Envelhecimento, publicado pela ONU em 2002, dispõe que a capacitação de prestadores de serviços de saúde e de profissionais de saúde passa necessariamente por melhorar a informação sobre as necessidades do idoso que chega a estes profissionais (Tema 4, Objetivo 1).
No mesmo sentido, Plano de Ação sobre a Saúde das Pessoas Idosas, Incluindo o Envelhecimento Ativo e Saudável (OPAS, 2009) aponta como área estratégica a capacitação de recursos humanos necessários para atender as necessidades de saúde das pessoas idosas, definindo inclusive metas e atividades a nível regional e nacional.
Mais incisiva na necessidade de melhorar o acesso e a qualidade da informação sobre envelhecimento para a melhoria da gestão em saúde do idoso é a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (Portaria Ministério da Saúde N° 2.528/06). Esta política salienta que a informação em saúde, em especial os indicadores em saúde, deverão ser utilizados como instrumentos de acompanhamento e avaliação da política nacional. Esta política define que é de responsabilidade dos gestores – municipais, estaduais e federal – “estabelecer instrumentos e indicadores para o acompanhamento e a avaliação do impacto da implantação/implementação desta Política”.
A Diretriz “f” da política coloca como princípio norteador da atuação da gestão de saúde no Brasil a formação e educação permanente dos profissionais de saúde do SUS na área de saúde da pessoa idosa. Esta formação e educação permanentes estão diretamente ligadas à divulgação e informação da atenção à saúde da pessoa idosa para profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS (Diretriz “g”).
Além disso, está política coloca como condição para a promoção do envelhecimento ativo e saudável a disseminação de “informação adequada sobre o envelhecimento para os profissionais de saúde e para toda a população, em especial para a população idosa.” (Diretriz “a”)
Na PNSPI, indicam-se as responsabilidades institucionais dos gestores do SUS em todos os níveis (Quadro 1). Nota-se que “estabelecer instrumentos e indicadores para o acompanhamento e a avaliação do impacto da implantação/implementação da PNPSI” é uma das responsabilidades comuns aos 3 níveis de gestão do SUS. Sendo assim, iniciativas como o SISAP-Idoso e indicadores no Datasus, constituem ferramentas para a implementação de responsabilidades dos gestores do SUS.
Quanto ao acompanhamento e à avaliação da PNSPI, explicita-se que é necessária “a definição de critérios, parâmetros, indicadores e metodologia específicos, capazes de evidenciar, também, a repercussão das medidas levadas a efeito por outros setores, que resultaram da ação articulada internacionais assumidos pelo País em relação à atenção à saúde dos indivíduos idosos”. De maneira que os gestores do SUS, com ações intersetoriais, devem acompanhar e disseminar a produção, qualidade, disponibilidade e utilização da informação sobre saúde dos idosos nos três níveis de gestão.
Nesta política, especifica-se que o gestor municipal deve “estabelecer mecanismos para a qualificação dos profissionais do sistema local de saúde”, enquanto que a educação permanente em saúde da pessoa idosa é de competência tanto do gestor federal quando do estadual. Espera-se, portanto, que este curso auxilie os gestores na operacionalização desses desafios.
QUADRO - RESPONSABILIDADES INSTITUCIONAIS DOS GESTORES DO SUS
Fonte: Adaptado da Portaria nº 2.528 de 19 de outubro de 2006.